top of page

HOMENS E MULHERES DE ORAÇÃO:

Onde a sexualidade não produz diferenças

Dez pontos de poder, esse foi o tema central do culto dominical da Igreja Batista Tabernáculo, no último domingo, 24 de fevereiro. A igreja que está situada em um dos bairros do subúrbio de Atlanta, Georgia, Estados Unidos, reúne a cada celebração dezenas de fiéis e curiosos, como eu, na celebração da palavra e da boa nova. Esta é uma daquelas igrejas que, nós brasileiros, estamos acostumados a ver nos filmes americanos, frequentada, de modo geral, pela comunidade negra e com um toque especial na Black Gospel Music com cantores e cantoras que nos faz delirar com suas vozes fortes e vibrantes.


Eu conheci essa igreja da mesma forma como decidi ir a uma: de forma aleatória. Eu havia decidido que queria visitar uma igreja nos Estados Unidos e então após assistir mais um daqueles filmes meio musical em que a personagem principal aparece cantando no coro em uma dessas igrejas que são frequentadas por negros(as) me veio a ideia brilhante: quero ir a uma igreja dessas. Então foi apenas procurar na internet, com ajuda de um amigo americano, e encontramos a Igreja Batista Tabernáculo e assim fomos.


Meio acanhado, sem jeito e envergonhado entrei na igreja e me sentei na penúltima fileira de cadeiras. Na realidade eu estava meio que curioso, eu queria, é claro além de agradecer a Deus pelas conquistas diárias, descobrir se a imagem constante dos filmes era verdade.


Então, alguém estava fazendo algumas preces e orações no altar quando a igreja ficou praticamente lotada de pessoas. Eu olhava de um lado e de outro e o único de pele branca que eu encontrava era eu, sentado quase que escondendo meu próprio rosto para não ser descoberto. Ninguém havia me notado, ou melhor, para ninguém fazia diferença a minha cor de pele, pois outras diferenças eram aceitas pela igreja, como um todo. Atrás do altar um espaço belo de cadeiras de cobertura vermelha, como um coro, com plataforma do piso mais elevada do que as demais cadeiras da assembleia.


De repente aquele espaço começa a ser tomado por diversos rostos. Jovens, adultos, homens e mulheres começam a tomar lugar naquelas cadeiras vermelhas enquanto outras três pessoas assumem a posição do altar, cada uma segurando um microfone. Foi quando uma dessas vozes femininas abriu a boca e começou a cantar. Nesse momento eu estava dentro da gravação de um filme americano em que a atriz tem a voz maravilhosa e consegue entoar notas agudas que parecem ser impossíveis para a voz humana, a diferença era que não tinha diretor, figurino, figurantes e nenhuma dessas grandes estruturas das estrelas de Hollywood, pois o filme era real e ao vivo.
Eu não acreditava no que eu estava vendo. É de verdade. O que vejo nos filmes é verdade. Claro sem toda a pompa e maquiagem das estrelas americanas, mas com todo glamour com que aquela voz fazia vibrar toda a igreja. Cantos, palmas e danças faziam com que as vozes do coro soassem como música suave em meus ouvidos. Aquela cena era linda aos meus olhos. Mas ainda o mais inesperado e verdadeiramente emocionante estava por vir e eu não fazia nem noção disso.


“Eu acho que estamos numa igreja gay” – disse meu amigo americano a mim. Numa resposta óbvia e direta eu apenas respondo: “todas as igrejas tem gays”. Bem, eu acho que eu não errei, verdade? Porém aquilo não fazia diferença alguma diante da impressionante demonstração de fé que eu estava imerso. 


Quem conhece minha trajetória sócio-política-religiosa, sabe que fiz parte de alguns diferentes movimentos dentro da Igreja Católica (Renovação Carismática Católica e Pastoral da Juventude) e também tive alguns contatos com outras denominações religiosas de diferentes matrizes: espiritismo, protestantismo e candomblé, e tenho estudado a manifestação religiosa juvenil em diferentes outras religiões. Recentemente tive um maravilhoso contato com uma igreja africana chamada “Igreja Velha Apostólica”, onde fiz uma pequena montagem em vídeo da experiência em que tive lá. Todas essas diferentes experiências me deram uma visão ampla e diversa sobre a compreensão do Sagrado na vida das pessoas e em especial na juventude. Na minha visão essa experiência tem me mantido de pé.


Uma das palavras proferida pelo pastor que me chamou atenção naquele domingo foi: “conheça a si mesmo e se orgulhe de ser quem és”. Esse foi um dos dez pontos que ele se comprometera a apresentar como pontos de poder. Todos os dez pontos foram interessantes, mas minha intenção nesse texto é apresentar outro tipo de conteúdo e não o sermão proferido pelo mesmo, que modestamente, merecia uma apresentação específica.


Eu via pessoas empoderadas com as palavras do pastor. Pessoas que vibravam com suas afirmativas. Eu via pessoas que discordavam do pastor quando o significado de suas palavras não soavam claras em seus ouvidos. Eu vi pessoas levantarem suas mãos em um gesto em que fazemos quando não aprovamos alguma coisa. Eu vi pessoas mudarem de expressão ao longo das palavras do pastor. Eu vi pessoas ressuscitarem.


O mais bonito de tudo aquilo era que pessoas diferentes se encontravam em comum lugar e celebravam o mesmo Deus e esse Deus que elas celebravam as tornavam um. Eu ainda não sabia por que a atmosfera daquele lugar era diferente de outras tantas experiências religiosas que eu tenho experimentado. Ainda não tinha ficado claro os motivos que fazia daquele lugar um espaço tão aconchegante e humanizador.


As pessoas estavam sendo encorajadas de serem quem elas são verdadeiramente. “Honre-se e construa sua própria autoestima, pois as pessoas respeitam quem tem boa autoestima” – dizia o pastor naquela manhã de domingo. “Se olhe no espelho e se orgulhe de ser quem você é”, acrescenta. Vocês hão de concordar comigo que essas não são palavras mágicas, mas são muito pronunciadas nos discursos e sermões religiosos e palestras de autoestima proferidas por profissionais de diferentes áreas do conhecimento ao redor do mundo. O que me chamou atenção foi para qual público específico estava sendo proferidas aquelas palavras exatamente naquele momento.


Homens, mulheres, crianças, jovens e adultos com diferentes gostos, pensamentos e expectativas de vida se encontravam naquela assembleia. Diferentes experiências sexuais, gays, lésbicas, travestis e heterossexuais se encontravam no mesmo espaço de vivência da fé para celebrar a vida. E era isso, com certeza, que tornou aquele espaço tão espiritual.


Talvez fosse esse o motivo pelo qual ninguém estava me encarando e me condenando por ser de pele branca e estar no meio de um espaço de aglomeração da cultura e protagonismo negro. Não era a cor da minha pele, a roupa que eu vestia ou o cabelo grande e bagunçado que eu exibia que me fazia estranho naquele espaço. Isso tudo me fazia apenas diferente, mas iguais a todos(as).


“Estou numa igreja gay?” eu me perguntava, mas não era esse rótulo que a mesma recebia, mas de ser uma representação da fé e da aceitação total do ser humano. Na sua fala o pastor cita um exemplo: “porque você participa daquela igreja?”, perguntou alguém a um dos membros da igreja, e sua resposta foi: “porque lá é igual ao mundo em que vivo”. Essa afirmativa me fez pensar um pouco se de fato não era aquilo totalmente verdade. Afinal, o mundo o qual vivemos é diverso, cheio de pessoas diferentes, com pensamentos, cores, altura, peso, idiomas... diferentes e é isso que nos faz completar um ao outro.


Nesta igreja então as pessoas poderiam ser quem elas são em sua essência. E eu me perguntava como seria bom se todas as outras igrejas e espaços sociais promovessem essa aceitação interior da pessoa. Pelo contrário, já ouvi diversos líderes dizerem a seus seguidores que aquelas pessoas deveriam se esconder daquele monstro que estava dentro de cada um(a), que aquilo era abominável, era terrível e vergonhoso. Não será uma dessas palavras que provoque a morte espiritual da pessoa em algum momento de sua trajetória de vida?


Alguém poderá dizer, ao ler esse texto, que sua igreja aceita os homossexuais, pois eles podem participar do culto. Ou até mesmo assumir coordenações de ministérios. Eu já ouvi e presenciei esses discursos de que “aceitamos o homossexual, mas abominamos sua prática”, então diga-se também ao casal de noivos heterossexuais que não aceitam sua prática. Muitos jovens que tenho acompanhado ao longo do meu trabalho têm testemunhado sua diminuição nos espaços religiosos por causa de sua sexualidade. A aceitação das instituições religiosas à pessoa homossexual, em sua grande maioria, é simplesmente um discurso que não passa da imagem dos doutores da lei, representados pela passagem bíblica.


São milhares de homens que nasceram em corpo de mulher e mulheres que nasceram em corpo de homem que são limados de assumirem sua posição religiosa e estarem a frentes de ministérios e assumirem postos de responsabilidade nas igrejas atualmente. São milhares de gays e lésbicas que são forçados a calarem e se esconderem em seu gueto por acreditarem, a partir dos sermões dos seus pastores, que não são dignos de sentarem-se à mesa da celebração e partir o pão com seus irmãos(ãs). São milhares de vidas que estão sendo desconfiguradas pela intenção de tornarem-na imagens de uma sociedade heteronormativa, regida pelo patriarcalismo.


“Tenha orgulho de ser quem você é”, essa palavra do pastor fazia com que aquela travestir de salto alto, vestido vermelho e traços no rosto de uma barba feita, escondida pela maquiagem e doses de hormônios; e aquele homem gay que havia entrado na igreja de mãos dadas com seu companheiro se sentissem a vontade para rezar/orar. Aquelas palavras os tornavam vivos e os faziam perceber que não existia nada que os tornassem inferiores diante dos outros(as). E assim o pastor atraia mais e mais pessoas para aquele rebanho.


A igreja estava longe de ser rotulada de igreja gay ou qualquer denominação parecida. Ela estava mais, a meu ver, uma celebração da vida a partir do respeito dela como um todo. Aquelas pessoas não precisavam se travestirem do que elas não eram para poderem ir louvar ao seu Deus, ao contrário, eram incentivadas a retirarem as máscaras e deixar que o “verdadeiro eu” aparecesse. Sentavam-se uns entre os outros, o que dificultava o rótulo de área de acento para gays, lésbicas, travestis, crianças, héteros, etc. Ministros(as) da palavra, da música, do dízimo, da acolhida, etc. eram todos(as) uma só família e a roupa ou o sexo pelo qual se sentiam atraídos era apenas uma área particular da vida de cada um que precisava ser vivida pela pessoa e só por ela.


Ao fim da celebração, além de aprender dez pontos de poder, vivi na pele uma experiência de fé e vida em que o ser humano é elevado em sua máxima condição e que a pessoa é respeitada em sua essência, o que promove a conquista dos direitos, a elevação da autoestima e ainda promove a paz mundial e principalmente a paz interior, essa que nós temos esquecido ao longo dos anos.


Então fica a palavra de vida: “se olhe no espelho e se orgulhe de ser quem você é, honre-se e construa sua própria autoestima, pois as pessoas respeitam quem tem boa autoestima”.





Atlanta, 25 de fevereiro de 2013.





José Aniervson Souza dos Santos

Especialista em Juventude - FAJE

Blog do Aniervson

  • Wix Facebook page
  • Wix Twitter page
  • Wix Google+ page
bottom of page